sexta-feira, 10 de julho de 2009

Uma explicação sobre o título deste blogue


Uma explicação sobre o título deste blogue: Sonho atravessado é o título da autobiografia de Eliezer Ben-Yehuda.

Eliezer Ben-Yehuda (1858-1922) foi um homem que sonhou até à desmesura.

Pensou que seria possível trazer o Hebraico de volta à vida, quando, desde há pelo menos dois milhares de anos, a língua estava reservada ao uso litúrgico e, quando muito, a veículo dos responsa rabínicos, tirando episódios mais ou menos curtos de regresso à literatura e a instrumento de escrita científica, como foi o caso na Península Ibérica.

O seu sonho foi considerado louco, quando não a raiar o herético. Mas Ben-Yehuda não se limitou a sonhar. Consagrou a sua vida a essa causa. Considerava que não tinha sentido reconstruir a nação judaica na Terra de Israel sem o renascimento do Hebraico entre os seus habitantes. Começou por dar o exemplo: o seu filho, Ithamar Ben-Avi, foi a primeira criança da era moderna a balbuciar as primeiras palavras na língua da Tora.

Hoje, é a língua de pelo menos sete milhões de falantes em Israel, e de certamente muitos mais, na diáspora. Afinal, a palavra «hebraico», «ivrit», עִבְרִית, tem na raiz o étimo «avar», עבר, que quer dizer «atravessar». A língua atravessou os milénios, e hoje volta a «respirar-se» nela.

O sonho de Ben-Yehuda foi, pois, em grande parte responsável por essa travessia.

Ilan Stavans, um excelente escritor mexicano (sim, não parece, pelo nome, claro, é judeu asquenazita), termina o seu livro, Ressurecting Hebrew, contando a seguinte história, que traduzo do original:

«Ao olhar para a pedra tumular de Ben-Yehuda, reparei em restos de tinta de spray. Tinha sido coberta com uma espécie de grafittis. Quando depois interroguei uma conhecida sobre o caso, ela contou-me que a profanação acontecera já por várias vezes, cometida não por delinquentes, ou árabes, mas por judeus religiosos fanáticos.

Ri.

Acrescentou que quando deram a notícia a uma das descendentes de Ben-Yehuda, ela perguntou: "Em que língua borraram os grafittis?"

"Em Hebraico."

"Ah, então Ben-Yehuda ganhou."»

Vale a pena sonhar e, mais do que isso, tentar atravessar o sonho, digo eu para terminar.